Pseudo Kill Bill Dream – Parte I

(23-07-2004 – Começarei por aqui colocar alguns sonhos antigos, outrora rabiscados)

Em casa era-me ensinada a arte de cortar pescoços sem matar. Treinávamos em galinhas. Nunca acreditei que fosse possível. De facto nunca ninguém acreditou. Acho que nunca nenhuma galinha saiu com vida, após as atrocidades cortantes de que sofriam. Sofriam! Que belo eufemismo, para dizer: que lhe fazíamos!

Um dia encontrámos uma menina perdida nas ruas. Era uma pequena menina de uns cinco ou seis anos, uma pequena menina loirinha que de certo se havia perdido de casa. Levamo-la para casa. Lá esteve escondida anos e anos. Sim, lembro-me de observar através da fechadura da porta, a lâmina afiada de uma enorme faca, deslizar-lhe pelo pescoço pelas mãos dos meus pais. Não se tratava de lhe arrancar a cabeça fora! Não, nada disso. Era uma espécie de sangramento, estão a ver o tipo? Mas nem por isso saía muito sangue… tinha de se cortar no sitio certo. O corpo inerte ali ficou tanto tempo… nem vivo, nem morto… acho que não estava clinicamente morto, mas isso só percebemos depois.. Ficava ali, de braços abertos, e olhos arregalados, com o pescoço imerso em sangue… nunca me lembro de alguém lhe dar comida. Será que davam? As minhas memórias não são claras. Acho que me contradigo a contar-vos esta história. Houve tanto que se desfez do meu cérebro com o passar dos tempos. Se me lembrasse de tudo, possivelmente enlouqueceria.

Certo dia, decidimos desaparecer com o corpo. Não podia ficar mais tempo ali. Coube-me a mim essa tarefa. Talvez tenha sido a primeira tarefa a sério que me era imposta. Colocaram o corpo numa enorme mochila, na qual parecia não caber por completo…mas sim cabia. O meu medo de que se visse um pouco que fosse, daquele horrível corpo, atordoava-me. Nem eu conseguia olhar para aquela face, que antes era bela, e agora era pálida e disforme. Repugnava-me demais. A tapar a pequena abertura da mala, repousava um livro de capa bordeaux: “Como manter galinhas vivas, depois de as assassinar?”. Teria de ir depois, buscar o dos humanos, da mesma colecção. Sentei-me no banco detrás do autocarro, tentando não concentrar as atenções. Tudo parecia correr bem, até ao momento em que a mala se moveu… ‘Não! Isso é que não!’ – pensei. Uma cabeça começou a surgir do interior da mala. De olhos arregalados, olhava para todo o lado, tentando de lá sair. De cabelos desgrenhados e sujos, parecia semi-careca, apesar de ser tudo menos tal. Tinha de voltar a escondê-la, mas quase não tinha coragem para tocar-lhe. Tentei fechar novamente a mala, mas não conseguia. Medo de ali tocar, de tocar naquele corpo meio vivo, meio morto. Alguém poderia ver, e como seria se assim fosse? O medo…o nojo…a repugna…. medo…. medo…

(to be continued) 

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